quarta-feira, 26 de maio de 2010

AUSCHWITZ - COMO FOI POSSÍVEL?









Prometido é devido!
Antes da minha partida para estas mini-férias prometi fazer um diário de viagem e como faço por cumprir as minhas promessas, aqui vai, a quem interesse...

Tem sido algo difícil reunir todos os pensamentos, emoções e factos.
A minha viagem a Auschwitz tinha sido desde sempre um objectivo, mas estando tão perto, de alguma forma estava ansiosa e receosa da mesma.

No dia 12 de Maio, saída da Barcelona directa para Wroclaw e do aeroporto de Wroclaw uma corrida contra o tempo para apanhar o comboio para Cracóvia, com um dos taxistas mais lentos da história, pelo menos da minha.

Consegui! Felizmente faço-me acompanhar nesta parte da viagem por alguém que fala polaco, o que facilitou a rápida aquisição de bilhete.
Entro no comboio, preparando-me para 5 horas de viagem até Cracóvia (lugar fumadores, essencial!)
Confesso que, aqui sentada no comboio, começou para mim a minha "peregrinação" a Auschwitz. Não consegui abstrair-me do facto de que, desde de 1941, tantos outros entraram num comboio, em nada semelhante a este, como é óbvio, mas com o mesmo destino. Embora a maior parte não soubesse o seu destino...

Não há como não pensar nessas milhões de almas de tantas nacionalidades diferentes, de tantos credos diferentes que olharam para as mesmas paisagens que eu estava a olhar, sem saberem qual o seu destino, sem saberem por mais quantas provações teriam que passar ainda... Aqueles que antes de mim fizeram essa viagem iriam deparar-se ainda nessa mesma noite com o local mais ignóbil que alguma vez existiu!
O local que eu conheceria no dia seguinte...

Chegada a Cracóvia.

Táxi para o Hotel Ester (muito bom, aproveito para dizer!) que, por coincidência, fica precisamente no antigo bairro judeu de Cracóvia... perfeito!

Na manhã de dia 13 de Maio, faço uma pequena visita pelo bairro.
Vejo um memorial, muito simples, mas que relembra o assassinato pelos nazis de 65.000 judeus polacos apenas provenientes de Cracóvia e das regiões vizinhas durante a II Guerra Mundial.

Antes da minha partida para a Polónia pesquisei em alguns blogs e a opinião generalizada era que a visita a Auschwitz era muito melhor com guia. Organizei então, online, com uma empresa que me apanhasse no hotel, me levasse até Auschwitz e me trouxesse de volta a Cracóvia no final da visita.

No autocarro um video é colocado como preparação para a visita. É neste filme que, pela primeira vez, tomo conhecimento que durante a II Guerra Mundial morreram 3.000 portugueses em Auschwitz... como diria o Fernando Pessa, pensei "E esta, hem?!", depois de tantos anos descobrir isto!

Chegada a Auschwitz.

Primeiro impacto: tanta gente! Não tinha a mínima noção que encontraria tantas pessoas a fazer esta visita! Conforme mais tarde descobri pela guia era algo pouco usual nesta altura do ano. Convém, no entanto, referir que desde de a abertura do Museu e Memorial Auschwitz - Birkenau mais de 30 milhões de pessoas ali estiveram.

O grupo do meu autocarro junta-se com outro grupo e é-nos designada uma guia, que se revelará fantástica ao longo da viagem, com um profundo conhecimento da história do Campo e das muitas histórias individuais do Campo.
Desde o inicio da visita, é-nos relembrado a todos que milhões perderam a vida nos locais que visitaremos e, como tal, é-nos pedido que levemos isso em consideração na nossa postura durante a mesma.

Inicio da visita.

"Arbeit macht Frei" é a primeira coisa que vejo. É aqui que de repente constato que, ao contrário do que esperava, me sinto muito mais introspectiva do que emocional.
Sempre imaginei que ao olhar para esta sádica inscrição fosse ter uma reacção muito mais emotiva...
Esta é a primeira parte da visita: Auschwitz. Uma visita que durará cerca de 2 horas.
Durante esta parte da visita apercebo-me de como é grande o campo. Este campo foi construído pelo exército polaco, ainda em tempo de paz e ocupado mais tarde pelos alemães durante a guerra com o objectivo de prender activistas políticos. Só mais tarde serviu também para prender judeus, homossexuais, ciganos e dezenas de milhares de soldados russos. Os soldados russos foram os primeiros a serem gaseados em Auschwitz.

Entro e saio de casernas onde sei que milhares de pessoas estiveram e sofreram os tratamentos mais inumanos possíveis. Vejo as fotos dos rostos e dos corpos daqueles que, meses depois da libertação do campo, ainda só pesam 30 ou 35 quilos, autênticos esqueletos com vida.
Vejo uma foto de que a guia conhece a história: um grupo das poucas crianças que sobreviveram Auschwitz, diz. No meio desse grupo há, para mim e para todos, alguém mais velho que parece estar a tomar contas deles, alguém com 30 anos, talvez. Para nossa surpresa e, para mim, para minha comoção, aquela pessoa era uma menina de 14 anos... Os meus olhos não querem acreditar e o meu coração aperta-se. Sinto as lágrimas a correm a minha face...
"Como é possível?" é uma pergunta que invade o meu pensamento e não me abandona em toda a visita.
Passo por vitrinas com milhares de sapatos de todos aqueles que pisaram Auschwitz, com milhares de próteses daqueles que chegaram a Auschwitz e seguiram imediatamente para as câmaras de gás.
Passo por uma vitrina em que estam depositadas 2 toneladas de cabelo de mulher... 2 toneladas!!! "Como é possível?!"

Chegamos ao infame Bloco 11.
Este era um autêntico bloco de tortura. Existia um tribunal fantoche que sentenciava, sempre à morte, e ali mesmo era cumprida a sentença: a guia diz e repete enquanto percorremos os estreitos corredores e escadas que nos conduzem à cave - "Starvation / Suffocation". Duas pequenas celas: uma com a finalidade de matar através da fome, outra onde colocavam cerca de 40 pessoas a pé que, lentamente, sufocavam. Esta era a justiça nazi...
Duas das pessoas do meu grupo colocam a mão dentro da cela através de uma pequena abertura e tocam as paredes... não consigo...

Faço aqui um parêntesis para explicar que não sou o tipo de pessoa crente ou com uma espiritualidade exacerbada, mas naquele bloco, ao percorrer aqueles corredores com a minha mão nas paredes senti um arrepio, uma energia de um sitio onde houve tanta dor e sofrimento... Não consigo explicar melhor...

Venho para fora do triste Bloco 11 e sigo para mais outro espaço terrível do Campo: o muro onde milhares foram fuzilados...
Todo o grupo saí daquele lugar de cabeça baixa e com os olhos húmidos...

E ainda faltava ver a primeira câmara de gás e crematório de Auschwitz. A guia diz que aqui não vai falar, pois o sitio que estamos prestes a conhecer foi o último que 60.000 pessoas viram. 60.000 mil pessoas! Pais, mães, filhos, avós, tios, famílias inteiras perderam ali a sua vida sem nada que o justifique... "Como é possível?!"

Faço o caminho para o final desta 1ª parte da visita completamente só, o meu grupo segue à frente e deixo-me ficar para trás... Confesso que rezei, pois não sabia o que mais fazer por todas aquelas almas que senti abandonar naquele lugar... Senti vergonha por pertencer a uma raça, a raça humana, que foi capaz de perder a capacidade de nutrir empatia por outro ser humano e cometer tais actos desprovidos de qualquer lógica ou razão.

Segunda parte da visita: Auschwitz II - Birkenau

Fica a 3 quilómetros do primeiro. Foi construído no inicio de Outono de 1941 e este foi o maior campo de extermínio em massa da Europa onde mais de 1,1 milhão de pessoas foi assassinada.

Se o primeiro Campo era grande, Birkenau é enorme. Uma autêntica fábrica, bem organizada e bem oleada do III Reich, uma fábrica de Morte. Um Campo de Extermínio com 200 hectares... o equivalente a 200 campos de futebol!

Entro. Vejo os carris onde chegaram os comboios com centenas, milhares de pessoas. Viajaram, às vezes durante semanas, em vagões de gado, sem água e sem comida e, quando chegaram a Auschwitz, já estavam sem vida. Outras estavam doentes ou demasiado fracas. Em todos estes casos, à saída dos comboios e durante o processo de "selecção", que era supervisionado por Mengele, eram direccionadas para a direita. A direita significava câmara de gás e crematório. A direita significava Morte.

Entramos dentro de uma das 19 barracas ainda existentes em Birkenau. No tempo de actividade do campo existiam 300 iguais a esta. A guia explica que estas barracas tinham como finalidade guardar os cavalos das SS. O espaço serviria para 52 cavalos. No entanto, os nazis aprisionaram em cada uma delas uma média de 774 pessoas, no local destinado a 52 cavalos. Por vezes, em cada uma estavam cerca de 1000 pessoas.
Todas as noites morriam prisioneiros nestas barracas. O prazer sádico das SS torturava os prisioneiros fechando as barracas no Verão, para que a temperatura fosse mais elevada e "arejavam" as barracas à noite durante o Inverno.
"Como é possível?!"

A guia mostra-nos também as "instalações sanitárias" do campo. Estas foram construídas muito tempo depois do campo já estar com prisioneiros.
Vejo dois corredores de cimento com buracos a todo o comprimento, talvez 50 aberturas de cada lado. Era aqui que os prisioneiros, sob o olhar atento dos Kapos do campo, tinham o direito 1 vez por dia de fazer as suas necessidades.
A guia diz também que era aqui que muitas mães esconderam os seus filhos, no interior destes buracos, para lhes dar uma hipótese de sobrevivência no campo. As SS não entravam ali dentro com medo das doenças... Mães tinham, como última hipótese de fazer sobreviver os seus filhos, colocá-los dentro de uma retrete medieval... "Como é possível?!"

Caminhamos em direcção ao sitio onde existiram as câmaras de gás e crematórios em Birkenau. Eram 4 no total e três foram destruídos pelos alemães antes de abandonarem o campo. Um deles foi destruído por um grupo de prisioneiros resistentes do Sonderkomando, o grupo de presos a quem competia trabalhar nos crematórios.
Caminhamos talvez uns 15/20 minutos até lá chegar. Penso nas centenas, nos milhares, no mais de 1 milhão de pessoas que, fracas, doentes, esgotadas, sob o sol escaldante ou sob a neve e vento gelado, fizeram este mesmo caminho rumo à sua Morte. Muitos desconhecendo o seu destino, mas muitos sabendo exactamente para onde caminhavam... O que será que pensaram? O que será sentiram durante esta última caminhada? Não consigo imaginar... Só consigo ainda pensar "Como é possível? Como foi possível isto acontecer?"

Visitamos o Memorial onde os visitantes deixam as suas velas, flores, pequenas pedras em memória de todos aqueles que ali perderam a vida nas mãos e sob as ordens de outros homens.
E a nossa visita acaba.

Faço o caminho de volta a pensar em como foi possível o ser humano ter perdido de tal forma a empatia por outros da sua espécie que tenha cometido tantos crimes neste espaço, ter retirado destas pessoas que ali estiveram presas a sua dignidade, de tal forma, que a Morte lhes parecesse, por vezes, a única salvação. Lhes ter retirado a dignidade, de tal forma, que a única salvação que mães encontraram para os seus filhos era escondê-los em retretes. Lhes ter retirado a dignidade de tal forma que muito poucos foram aqueles que tiveram forças para se revoltar e lutar... Como foi possível tudo isto acontecer?


Aconselho a quem queira visitar Auschwitz - Birkenau que o faça com guia e que vá preparado para caminhar bastante.
Que se prepare também emocionalmente, pois é uma visita difícil de fazer, mas acredito, sinceramente, que como seres humanos a devemos fazer e passar a outros o que sentimos de forma a que nunca mais se esqueça e que NUNCA mais aconteça.






3 comentários:

  1. Cátia,

    Excelente artigo! Imagino que deve ter sido muito complicado transferir toda essa emoção para as palavras. Realmente... como foi possível? Por mais que uma pense e dê voltas à cabeça, como foi possível que a natureza humana se transfigure em tanto ódio e animalidade?

    O texto está escrito com grande sensibilidade e acredito que tenha sido uma viagem de uma vida, onde a mente e o coração entra numa espiral de sentimentos difícil de lidar. Um turbilhão de emoções. Parabéns e obrigado por partilhares a tua visão desta iningualável experiência.

    Beijinhos.

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  2. Cátia,

    Excelente artigo! Imagino que deve ter sido muito complicado transferir toda essa emoção para as palavras. Realmente... como foi possível? Por mais que uma pense e dê voltas à cabeça, como foi possível que a natureza humana se transfigure em tanto ódio e animalidade?

    O texto está escrito com grande sensibilidade e acredito que tenha sido uma viagem de uma vida, onde a mente e o coração entra numa espiral de sentimentos difícil de lidar. Um turbilhão de emoções. Parabéns e obrigado por partilhares a tua visão desta iningualável experiência.

    Beijinhos.

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  3. Muito bom texto Cátia. Também espero um dia visitar Auschwitz. Obrigado por partilhares palavras mas sobretudo sentimentos.
    Ivo

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